Monique Malcher é autora de "Flor de Gume", obra vencedora do Prêmio Jabuti na categoria "Conto", edição 2021.
Dona de uma escrita profunda, poética e envolvente, Monique Malcher tem conquistado inúmeros leitores ao redor do Brasil e do mundo.
Seu livro "Flor de Gume" ultrapassou as fronteiras do Brasil e adentrou nas terras estrangeiras, servindo como tema de aulas para alunos no campus de Harvard.
Paraense, nascida em Santarém, Monique enfrentou inúmeros desafios na sua carreira, mas nunca desistiu de escrever e hoje colhe os frutos de sua persistência e verdade.
Verdade essa de seu povo, de sua terra, de sua própria história e de tantas outras mulheres que, através da escrita de Monique, puderam revelar-se no mundo.
Monique Malcher não escreve apenas sobre a vida, mas também, sobre o que a vida faz com as pessoas, e o que algumas pessoas fazem com outras.
Para seus leitores, "Flor de Gume" é mais do que um livro, é uma obra-prima.
Entrevista com Monique Malcher
1. Monique, você poderia nos contar um pouco sobre a sua história com a literatura? Sempre senti uma força borbulhando dentro de mim, como uma panela ao fogo prestes a transbordar.
E às vezes ninguém pode fazer nada que possa controlar essa revolta de querer rasgar a realidade e criar uma outra, não sei se melhor, mas honesta.
Fui a criança que dizem que tem língua de faca, que nunca abaixou a cabeça para as violências dos adultos e sempre foi ao papel que eu recorria para me expressar, criando jornais de escola que quase resultavam em expulsão em colégio católico.
E em outros momentos na vida adulta quando fui jornalista (na outra vida) essa borbulha surgiu de novo. “Parabéns, você escreve como um homem”, ouvi de um chefe.
Naquele dia eu finalmente entendi que a ficção era meu campo e eu queria escrever mulheres e que a voz delas ecoassem. Cresci sendo cortada para não ser o que eu precisava e queria ser, escritora. Por isso e por tanto: não peço licença. 2. Em 2021 você venceu o Prêmio Jabuti com o seu livro de contos “Flor de Gume”. Você poderia falar um pouco sobre o livro? Flor de gume é um livro de contos interligados com uma personagem chamada Silvia que conta sua história de família e de crescimento através da história de suas avós e mãe, e como todas foram afetadas pela violência masculina nesse processo.
O livro se passa em grande parte no Pará e traz temas como violência doméstica, alienação parental, automutilação e outras questões vindas dos traumas gerados na infância. 3. E sobre o Prêmio Jabuti, o que mudou depois da premiação? Sinto que não ganhei sozinha o Prêmio Jabuti. Esse prêmio também é das diversas escritoras, leitoras e professoras do norte do país, que se viram representadas nas páginas de Flor de Gume, que fala sobre um norte de natureza e de asfalto, de mulheres que apesar de toda violência se vingam ensinando outras mulheres o caminho.
O Jabuti me fez chegar em muitos lugares que jamais imaginei que pudesse ser lida: escolas, hospitais, penitenciárias. O prêmio definitivamente está na minha história com a escrita e sempre estará.
4. Você esteve em Cambridge recentemente. Como foi a experiência? Estive em Boston na verdade, nas bibliotecas públicas: Cambridge Public Library e Boston Public Library. Também fui tema de duas aulas para alunos no campus de Harvard.
A experiência de estar nos Estados Unidos pela primeira vez para falar do livro me trouxe várias questões, uma delas foi que eu estava certa quando falava sobre a literatura produzida por pessoas da Amazônia não ser uma literatura feito só para os nossos.
Pessoas de outras culturas vão sentir de forma diferente, mas ainda assim ali estão sentimentos humanos universais.
Foi também incrível a troca que tive com mulheres imigrantes que conheci nos dias que passei por lá, entender que esses lugares são construídos pelo trabalho de imigrantes e que nosso território é também onde nossos pés pisam. 5. Quais foram os principais obstáculos que você encontrou até aqui e como tem feito para contorná-los? Os principais desafios são não me render ao olhar das outras pessoas sobre quem sou como escritora e quem devo ser, tento relembrar sempre o motivo pelo qual escrevo: esse incômodo com a vida.
Outro desafio é abrir minhas próprias janelas quando as portas continuam trancadas quando sabem que sou do norte e de periferia.
Sigo pelas minhas e por mim, não sou sozinha e nem fui a primeira a escrever nossa história.
Só estou de passagem na vida, mas na escrita eu vim pra ficar, pra escrever os livros que precisam ser escritos sobre o norte, disso nem eu e nem outras escritoras abriremos mão. 6. No seu ponto de vista, qual foi a habilidade mais importante que te trouxe até o momento em que se encontra hoje, sendo você uma das principais escritoras brasileiras da atualidade? Obrigada pelo título (risos). Fico muito imersa na escrita e acabo não percebendo ou me importando com ideias que envolvam o que represento.
Mas sei que represento uma esperança para muitas de meu lugar que também escrevem e respeito disso.
Me concentro em observar a vida e não deixar escapar o sumo das importâncias, me foco em escrever como se ninguém fosse ler da mesma forma que no banho danço estranho com shampoo nos cabelos.
Não tenho medo de parecer ridícula, luto contra o auto julgamento na hora de escrever.
A escrita é mais subtração do que adição, sou capaz de me livrar de páginas que amo porque elas podem não fazer mais sentido.
Sucesso é levantar da cama e sentar para escrever mesmo com medo, e sinto medo o tempo todo. Já escrevia mesmo sem um teto todo meu e pretendo seguir. 7. Quais foram as suas maiores influências na escrita? Com certeza minha avó materna e minha mãe. Minha avó amava contar histórias e reunia uma molecada na sala de casa pra fazer isso.
Uma mulher que alfabetizou muitas crianças que eram consideradas casos perdidos.
E quando alguém me julgava como rebelde eu lembrava dela fazendo esses movimentos e me dava conta de que eu só estava sendo o que eu precisava ser, falando o que precisava falar.
Ela não era a frente do seu tempo, era como tantas outras mulheres que resistem no presente.
Uma força do presente. E minha mãe foi minha primeira professora, que corrigia minhas redações várias vezes e me falava que se eu quisesse realmente ser uma escritora tinha que encarar a falha e fazer dela um caminho para aprender. 8. Um conselho para quem está começando na literatura… Não se importe em ser famoso ou best seller, isso tudo são feridas que o capitalismo causa nos nossos corpos para fazer eles tombarem antes mesmo de se erguerem pela primeira vez.
Se concentre em estudar, escrever muito, ler não só livros, mas pessoas. Seja muito mais ouvidos em certos momentos.
Seja o gravador que Hilda Hilst usava para captar os mortos no silêncio da natureza. Seja a água borbulhante da panela.
Coloque o medo, a felicidade, a raiva, a racionalidade, a emoção… coloque tudo isso dentro da boca e deixe escorrer pelo braço, até ser caligrafia, letra, palavra.
Escreva como se ninguém pudesse te dominar. Quando escrevo sou livre, nada pode me tocar.
Entrevista realizada em 19 de abril de 2023.
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