Entrevista com Manuela Titoto, vencedora do Concurso Literário FLIST
- Rafael Moraes

- 20 de ago.
- 5 min de leitura
Veja a entrevista completa com a autora.

O Concurso Literário da Festa Literária de Santa Teresa (Flist) costuma reconhecer e publicar textos inéditos em diferentes categorias, como conto, crônica, letra de canção ou poema, ilustração de retrato, caricatura, entre outras.
Trata-se de um concurso literário tradicional, com quase 20 anos de história. Em sua 17ª edição, a autora Manuela Titoto conquistou o primeiro lugar na categoria Crônica, com um texto dedicado a Adélia Prado.
O período de inscrições do Concurso Literário da Flist geralmente é aberto no início de cada ano.
Sobra a autora
Manuela Titoto nasceu em Ribeirão Preto, em 1984. É escritora, advogada, fotógrafa e estudante de psicologia.
Além de vencer o concurso literário da FLIST 2025 com uma crônica sobre Adélia Prado, foi também semifinalista do Prêmio Escritoras Brasileiras com O forno do mundo, além de outros concursos literários.
Publicou livros por editoras grandes e pequenas, entre eles Caçador de Raízes, uma obra infanto-juvenil que foi finalista do Prêmio Cepe de Literatura (2017).
Seus livros receberam elogios de Josh Malerman (A Caixa de Pássaros), Mario Prata e Ana Paula Laux. Em O forno do mundo, inaugura uma fase mais íntima e destemida, ao tratar do amadurecimento e das marcas do preconceito.
Entrevista com Manuela Titoto
Como foi a sua infância?
Quando penso na minha infância, me deparo com fragmentos de simplicidade e liberdade: sol, piscina, cheiro de camomila e fios dourados. Falo muito sobre esse primeiro encontro com a vida no livro “O forno do mundo”, de maneira que transformo memórias em símbolos fictícios. Como acontece com todos, com o passar dos anos aprofundei meu Eu, em descobertas da idade, do pó e do tempo… Sempre carregando os fragmentos de sol, piscina, camomila e fios dourados. Não adianta, é fatal: a infância é uma pele que a gente veste a vida toda.
Nasci em Ribeirão Preto, dia 21 de dezembro, há quarenta anos. É uma cidade que sempre esteve viva em mim, não apenas como pano de fundo, mas como personagem. Ribeirão fez parte da minha formação com seus silêncios quentes e muros rachados de sol. Em meu novo livro, não é apenas cenário, é pele e osso da história. Vários locais são explorados, talvez de uma forma que gere incômodo ao tocar assuntos sensíveis.
Como começou o seu interesse pela literatura?
Não sei se comecei a escrever ou se a escrita me começou. Ainda menina, criava roteiros de terror para encenar com as vizinhas. Íamos ao Museu do Café com uma câmera emprestada, filmar meus desvarios entre chaleiras antigas e cheiro de um tempo que não era o nosso.
Meu primeiro contato com os livros foi no suspense, um presente de aniversário aos dez anos, cujo título nunca consegui lembrar. Depois veio Stella Carr, Agatha Christie, toda a série Vagalume, formadora de tantos leitores no nosso país... Logo cedo criei o hábito de ler compulsivamente.
Já carregava comigo uma sensibilidade que, por muitos anos, tentei esconder, até aceitar e ceder ao delírio irremediável formado entre letras e páginas. Acredito na frase de Saramago: “Todos somos escritores, só que uns escrevem e outros não”. Todos temos algo a dizer, todos temos uma história que vale a pena ser contada. Na minha escrita busco exatamente isso, abrir espaço para que possamos compreender o outro e, no reflexo, a nós mesmos.
Quais foram os livros que te marcaram e quais os motivos?
Aprendemos tanto a partir da escrita alheia, sempre em busca de uma verdade que, se no fim é inalcançável, pelo menos alguns se aproximam o bastante.
É sempre difícil elencar os livros transformadores, os reais formadores do nosso ser e pensar, tanto pela encruzilhada da escolha como pelo defeito de memória. Alguns ficarão de fora, ainda que existam e tenham um papel tão grande em mim. Nesse momento, a lista essencial se mostra no “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa. É meu livro de cabeceira e, em qualquer frase lida, penso que eu mesma escrevi, tão justa me cabe.
O dom assombroso de Pessoa é mesmo esse - e creio que de todo escritor genial: faz-me lembrar de mim e não dele. Faz-me pensar em mim, e não nele. Torna a frase minha, as palavras, os pensamentos, compreendendo rachaduras do meu ser, antes inomináveis.
O mesmo acontece com Clarice Lispector, principalmente nos contos. Com Virgínia Woolf, principalmente em “Mrs Dalloway”.
Outro livro essencial, com certeza, é “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Marquez, no qual o autor parece ter entendido tudo: o mundo, as famílias, a morte e o amor. Nunca esquecerei a sensação da primeira vez que li o final, foi como se um vento me derrubasse, me levasse para um outro universo. Ficou claro que sou fã do autor, não?
O tesouro nacional fica por conta de “Grande Sertão: Veredas”, do Guimarães Rosa. Um monumento, um pilar, um ode. O sertão é mesmo o mundo todinho.
De contemporâneos, “O amor dos homens avulsos”, de Victor Heringer, é de uma sensibilidade rara e uma escrita madura.
Não podem ficar de fora: “Intermitências da morte”, de Saramago; “O estrangeiro”, de Camus; “Ficções”, de Borges; “Os irmãos Karamazov”, de Dostoiévski; “Divórcio em Buda”, de Sandór Márai; A tetralogia Napolitana, de Elena Ferrante. Todos autores que me nutrem há tempos.
Como foi a experiência de ganhar o Concurso Literário Flist?
É importante deixar claro o óbvio: ser vencedora de um Concurso, seja ele qual for, não vai mudar sua escrita, nem vai te tornar uma escritora melhor. O que faz isso é a prática, o ato da disciplina diária, tanto de escrita como de leitura. O concurso vai sim, no entanto, te dar certa validação e autoridade. Ele abre portas no sentido de visibilidade do autor, incentivando seu trabalho.
Qual é o tema que você mais gosta de escrever?
Antes de “O forno do mundo”, eu escrevia suspense/thriller, um gênero mais seguro para quem quer ficar longe das próprias feridas, por ser um universo distante da rotina. Sempre gostei da ideia de pessoas ordinárias em situações extraordinárias e em como nosso suposto caráter pode ser definido pelas circunstâncias.
Contudo, nessa fase mais madura, senti a necessidade de tomar propriedade da narrativa em um âmbito pessoal, brincar com o passado, manusear uma escrita poética que sempre me definiu em contos e diários nunca publicados.
Esse novo livro se define como um romance literário, mas sinceramente não entendo: qual romance não o é? No fundo, todo romance traz esse mergulho no humano. Temas como injustiça, amadurecimento e autoconhecimento são os que mais atravessam meu trabalho.
Qual é o nome do seu próximo livro e do que trata?
O título do meu próximo livro era - talvez ainda seja - “A psiquiatra”. Cogito mudá-lo, está em análise. Como estou na faculdade de Psicologia, minha segunda graduação (a primeira foi em Direito), quero trazer o tema da saúde mental e ao mesmo tempo fazer uma crítica a certos tipos de instituições. Para poder entrar na questão medicamentosa, coloquei uma psiquiatra como protagonista.
Considerações finais
Quero agradecer o convite, é um prazer responder sobre meu trabalho. Faço parte do Alerta Literário e passei a me inscrever em alguns concursos. Não só venci a FLIST, como fui semifinalista do prêmio Escritoras Brasileiras, sou finalista do prêmio Danúbio de Literatura e fiquei em terceiro lugar no Concurso Internacional Zoraide Rocha de Freitas. Com certeza, isso aumentou meu alcance como escritora!
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