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Entrevista com Matheus Cenachi

Matheus Cenachi é autor de "Má-fé", uma das poesias selecionadas para o II Festival de Poesia Falada Florêncio Antônio da Fonseca Grostom.

Desde o término do colegial, Matheus já sabia bem o que gostaria de ser: um filósofo-escritor. Sendo assim, ele fez faculdade de filosofia e começou a escrever prosa, contos, novelas, romances e teatro.


Recentemente, Matheus teve a sua poesia "Má-fé" selecionada para o II Festival de Poesia Falada Florêncio Antônio da Fonseca Grostom.


Além disso, o seu texto narrativo mais recente foi escrito em parceria com Rafaela Nunes.


Trata-se de um roteiro de série chamado De Todas, a Terceira, que já foi semifinalista do Concurso de Argumentos da Roteiros e Narrativas.


Com este texto, eles irão participar da FRAPA em novembro.


Leia a entrevista na íntegra com o autor


1- Matheus, recentemente você foi selecionado para o II Festival de Poesia Falada Florêncio Antônio da Fonseca Grostom. Como foi a experiência?


Extraordinária. É uma honra ter o seu trabalho reconhecido pela Academia Goiana de Letras. Um privilégio, o qual, no meu caso, foi ainda mais intenso, pois a poesia selecionada é particularmente significativa para mim.


Má-fé simboliza um momento forte no meu percurso intelectual, primeiro pois nela eu me reencontro com o meu primeiro mentor dentro da Filosofia, Jean-Paul Sartre.


É uma experiência linda, a de você se aproximar de algum intelectual depois de anos do primeiro contato, e de a partir disso pensar o mundo ao seu redor não só com base na teoria dele, mas na que você desenvolve ao longo do tempo (com base na dele, é claro).


Segundo, porque essa poesia é uma transposição literária do meu primeiro curta-metragem, BAD FAITH, o qual passa pelas etapas finais de produção. Terceiro, porque é magnífico encontrar instituições que valorizam produções cheias de teor filosófico. Não se vê isso todo dia.


2- Vamos conversar um pouco sobre a sua história. Como foi o início da sua jornada como escritor?


Emocionante? Eu diria que sim. Para mim, ao menos, ela teve uma bela dose de jornada épica, já que, ao terminar o colegial, as coisas estavam muito claras na minha cabeça e a decisão feita: eu queria, como os meus heróis franceses, ser um filósofo escritor; queria dedicar-me às investigações mais insondáveis e abstratas, no curso de filosofia, publicar artigos em periódicos, assim como a todo momento fazer literatura, explorando essas teorias num contexto discursivo menos científico e mais inflamado emocionalmente.


Então, eu fui. Saí de São Paulo, fui morar em Porto Alegre para estudar na UFRGS e, nas terras gaúchas (reverenciando o mestre Abujamra, cujo itinerário foi semelhante, curiosamente), tive os meus primeiros fracassos.


Inicialmente escrevia basicamente prosa, contos. Com o tempo, outras formas de linguagem naturalmente foram surgindo enquanto atraentes.


Porém, escrevendo conto, poema, novela, romance, teatro, ou batendo fotografia: as minhas bússolas são sempre duas, a estética pura e a investigação filosófica.


3- Quais histórias você já escreveu ou publicou?


O meu texto narrativo mais recente é o roteiro de série chamado De Todas, a Terceira, escrito ao lado da brilhante Rafaela Nunes.


Em fevereiro, quando eu e Rafaela decidimos levar a cabo uma nova parceria de trabalho, tínhamos o desejo de explorar alguns ambientes muito ricos para o metabolismo do seriado que, infelizmente, não vemos serem explorados.


É o caso do mercado das artes, sobretudo as artes plásticas, o ambiente universitário e o crime internacional.


Agora em novembro participaremos do FRAPA, representando o projeto, e temos boas expectativas, uma vez que ele foi semifinalista do Concurso de Argumentos da Roteiros e Narrativas.

Faço questão de falar sobre essa obra em particular por conta de um motivo muito simples: os escritores precisam ocupar o seu lugar. O roteiro audiovisual brasileiro foi tomado por todo tipo de profissional, salvo o profissional da palavra.


O que mais se vê são pessoas da publicidade e do Direito, pessoas que, infelizmente, memorizaram noções elementares de estruturação narrativa e que acreditam, por isso, terem roubado o fogo do Olimpo.


Porém, não: não é decorando superficialmente noções aristotélicas sobre narrativa que se desenvolve aptidão de escrita. Isso pode até ser condição necessária, mas não suficiente. Uma boa história exige muito mais de um autor. De forma alguma quero dizer que só alguns deveriam escrever.


A reivindicação que faço, básica, é da ordem da jurisdição: ninguém procura um engenheiro quando o filho fica doente, certo? Em geral, procuramos o mais apto a desempenhar a atividade requerida, e eis todo o ponto.


Muitos resistem, mas sempre que tenho a oportunidade de falar com o escritor eu saliento: para que a arte da escrita em geral seja valorizada, é crucial que o literato convencional conheça as oportunidades disponíveis em outros formatos que não o verso ou a prosa convencionais.


Quando ele se fecha a isso, não é somente o escritor que perde, é o mundo que deixa de ver representada nas telas uma boa história. Consequentemente, a literatura perde também.


Além da série eu tenho poesias, contos e ensaios publicados na Primeiros Escritos (USP), Revista Gueto, Revista Ruído Manifesto, Revista TAUP e Editora Versiprosa.

4- Como é o seu processo de escrita?


Depende da época. Eu não tenho um modus operandi, mas alguns. Há meses, por exemplo, em que o meu pensamento está extremamente organizado de forma lógica: personagens, temáticas, cenários, não importa; tudo isso, na minha cabeça, é só um conjunto de axiomas, postulados e teoremas que se relacionam.


Criar, em tempos assim, é como jogar xadrez. O que domina o processo é uma perspectiva estrutural e abstrata. Mas esse é só um estilo de compor.


Em todo caso, eu vejo dois elementos presentes em todos os métodos, seja em escrita literária, dramaturgia, fotografia ou qualquer outro medium de expressão.


A visão típica do escritor esforçado é aquela na qual a pessoa arranca os cabelos em frente da folha em branco, não é? Isso ocorre frequentemente pela simples razão de a pessoa não ter o que dizer. Não é óbvio? Se você não sabe o que contar, não vai sair nada, porque você não tem o que contar; é trivial.


Querer escrever é diferente de ter o que escrever. Logo, antes de sentar para escrever, a pessoa precisa dedicar tempo a encontrar, sintetizar ou descobrir o que quer dizer.


É o que eu faço continuamente: medito, reservo momentos para ficar quieto e deixar a cabeça fluir, seja pra onde for. Com sorte ela encontrará algo interessante, uma coisa minimamente digna de ser executada no papel.


Ao lado dessa postura, que David Lynch chama de pescar ideias, eu analiso diariamente o que consumo em arte. Isso é tão ou mais essencial do que o procedimento anterior.


Nada adianta estar receptivo, com as antenas sensíveis, se, no momento em que algo bom aparece, o indivíduo não possui a noção crítica das coisas, da história da arte, para, daí, executar a ideia-candidata.


E essa noção é desenvolvida tomando notas diárias do que se lê. Conversar com os amigos sobre um livro não resolve. Assistir a uma resenha ou palestra também não.


É necessário esquadrinhar as coisas, quase em forma de ensaio pessoal. Lispector é boa? Por que, especificamente? É uma frase pontual, uma metáfora, um tom de voz que deixa o conto interessante? A análise fina confere ao escritor o arsenal de que ele precisa.


5- Qual o seu objetivo com a literatura?


Eu sou muito brechtiano. E também beckettiano, o que, para alguns teóricos, seria uma inconsistência. Contudo não é o caso. Esse tipo misto de arcabouço não é contrassenso, mas um requerimento para ser artista hoje.


Todos precisam entender, com Beckett, que o mundo acabou. Entende?


Como eu disse em Fim de Partida I, nós, filósofos, artistas, sociólogos etc., devemos elaborar uma moral da escatologia, porque a degradação do planeta é fato, não mais previsão, e estamos longe de entender como viver nesse fim de mundo sutil, o qual, por enquanto, não é anunciado por trombetas celestes.


Na arte, objetivos metafísicos, investigativos e estéticos desembocam (ou deveriam desembocar) em preocupações práticas, nitidamente brechtianas.


Então é isso: meu objetivo é continuar tentando entender as coisas, só que mais rápido do que a coruja de Minerva, para assim poder fazer alguma coisa. Mesmo que o mal seja irremediável.


6- Você é assinante do Alerta Literário. Como tem sido a sua experiência com o Alerta?


Maravilhosa. O trabalho oferecido é de altíssima qualidade. Na verdade, o Alerta é uma peça essencial do meu trabalho como escritor, uma vez que possibilita o meu acesso, de maneira organizada e consistente, a prêmios, concursos e oportunidades no meio da literatura.


7- Considerações finais.


A literatura está em perigo. Perigo bem maior do que aquele mencionado por Todorov. É muito mais fácil combater um inimigo concreto, visível.


Quando as Forças Armadas, ou qualquer agitação golpista, tomam o poder de um país, todos sabem de onde vem o poder opressor. Ele tem endereço, logo, pode ser atacado. É o que Bauman nos ensina.


Por outro lado, quando somos oprimidos, censurados, o tempo todo por algo invisível... é mais difícil lutar. Mais difícil lutar, criar e principalmente criar em conjunto.


Não se ouve falar seriamente de qualquer coisa como vanguardismo. A seca cultural é severa. Os mecenas são poucos e o capital pensa que as palavras são investimentos péssimos.


Mesmo assim, acredito, tenho fé, que um dia ainda verei grupos se formando. Grupos pequenos, mirrados, capazes não obstante de fazer um barulho.


Saiba mais sobre o autor em @cenachimatheus

 

Entrevista realizada entre 20/09/23 e 25/09/23*

 
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