Rafael Moraes (Fundador)

5 de dez de 20226 min

Entrevista com Vanessa Passos: a arquiteta das palavras

Atualizado: 10 de out de 2023

Vanessa Passos é um dos principais nomes da literatura brasileira na atualidade. Com o seu romance "A filha primitiva", ela venceu a 6ª edição do Prêmio Kindle de Literatura e o Prêmio Jacarandá.

Divulgação / Agência Riff

Vanessa Passos nasceu em 1993, em Fortaleza, no Ceará. Sua relação com a literatura começou ainda na infância.

Devido a sua timidez, Vanessa se escondia na biblioteca da escola, lugar este responsável por apresentá-la àqueles que vieram a se tornar os seus melhores amigos: os livros.

Sentia-se tocada pelo que lia e não entendia como alguém tão distante, quanto aqueles autores, pudessem tocar tão profundamente os seus sentimentos.

Fascinada com o poder das palavras, Vanessa Passos começou a escrever as suas próprias histórias. Desde então, seu amor pela literatura só tem aumentado.

Devido o desejo de manifestar nos outros aquilo que os seus "melhores amigos" lhe proporcionavam, Vanessa ingressou no curso de letras.

Mas não se acomodou apenas com a graduação. Tornou-se doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e está concluindo o Pós-Doutorado em Escrita Criativa pela PUCRS

Seu primeiro romance publicado foi "A filha primitiva", vencedor da 6ª edição do Prêmio Kindle de Literatura e também do Prêmio Jacarandá, na categoria Autora Revelação.

Além deste, Vanessa Passos é também autora de outras obras, tais como:

  • Manual de estilo e criação literária com a artesã Lygia Bojunga (Letramento, 2018);

  • Fábrica de histórias (Papellisa, 2019), e;

  • A mulher mais amada do mundo (Luazul, 2020).

Repleta de entusiasmo e propósito, Vanessa Passos fundou o perfil Pintura das Palavras, onde ministra cursos voltados a área de escrita criativa.

Neste empreendimento ela ajuda outros escritores a desenvolverem melhor sua escrita, assim como, impulsiona também o sonho ardente naqueles que desejam escrever.

Colabora como colunista nos jornais O Povo e Publishnews.

Veja a entrevista completa com a autora!

Entrevista com Vanessa Passos

Foto por: Rogério Fernandes

1. Vanessa, você poderia contar um pouquinho da sua história pra gente? Onde nasceu, como começou a escrever...

Eu sou Vanessa Passos, sou cearense, nasci em Fortaleza e a minha história com a escrita, ela veio por conta da leitura.

Eu era uma garota muito tímida, que me escondia na biblioteca da escola e os livros foram os meus primeiros melhores amigos.

Então eu ficava fascinada como alguém que eu não conhecia... Um escritor que não me acessava, ele conseguia tocar os meus sentimentos. Então a partir disso eu tive vontade de construir as minhas primeiras histórias, criar meus próprios personagens.

Como eu já amava muito ler e escrever eu fui fazer o curso de letras. Então eu sempre andava com o livro, um bloquinho e uma caneta, e foi só no curso de letras que eu tive a minha primeira publicação através de um concurso literário de contos.

2. Na coluna do jornal O Povo, recentemente você escreveu: "... há um caminho próprio durante o processo de escrita, algo que não pode ser ensinado, apenas descoberto." Você poderia explicar mais sobre isso?

Eu sou colunista de escrita criativa no jornal O Povo, é uma coluna semanal em que eu falo sobre o processo de criação literária.

E eu enquanto professora de escrita criativa, eu acredito que ninguém nasce escritora ou escritor, tornar-se (parafraseando Simone de Beauvoir).

E que esse processo de formação é um processo longo, que envolve leitura, envolve prática, envolve experimentação.

E eu acho muito importante cursos, formações de escrita criativa, para que quem se lança nessa jornada possa entender mais sobre o processo e sobre as técnicas.

Mas eu também acredito que nesse processo existem coisas que a gente só descobre quando a gente escreve. Que faz parte desse processo mesmo de descoberta, que é algo único, algo único e intransferível.

Então eu acho que é muito importante esse envolvimento com a feitura de um livro. Acho inclusive que não é igual. Ninguém tem o mesmo processo, por exemplo, para a escrita de um livro.

O modo como eu escrevi o meu primeiro romance vai ser diferente do segundo. Então eu acho que é esse o processo de descoberta.

3. Muitos escritores dizem (inclusive alguns já conhecidos no mercado) que "escrever no Brasil é algo muito difícil, quase impossível." Você acredita nisso?

Quando escritores falam que escrever no Brasil é algo muito difícil, eles se referem na verdade não a escrever, mas a publicar, a publicar e a vender livros. Ou seja, a viver de escrita.

Porque a gente sabe que esses números, esse quantitativo, por exemplo, o autor publicado por uma editora ele recebe 10% de direito autoral. Então, tem essa questão em relação a venda de livros.

Aqui no Brasil vende-se muito mais livros de não ficção do que livros de ficção. Então essa realidade, ela é uma realidade de fato mais complexa, mais difícil.

Nós temos sim, a literatura brasileira tem crescido muito, a gente tem exemplos como a Carla Madeira que vendeu cem mil exemplares.

A gente tem Torto Arado que vendeu quatrocentos mil exemplares, mas eles ainda são uma exceção da grande maioria.

Mas o que eu falo, por exemplo, no meu caso, enquanto autora: eu não vivo de escrita porque não é apenas a escrita dos meus livros que me custeia, não é? Assim...

Mas eu vivo de literatura, que é todo o meu trabalho entorno que envolve tudo isso, não é? Que são: a venda dos livros, as palestras, as participações em feiras, bienais, os cursos e oficinas de escrita que eu ministro.

Então envolve um pouco de tudo isso nesse processo.

E eu acho que é uma coisa muito importante — e eu escrevi isso numa coluna que eu publiquei no Publishnews, agora eu também sou colunista do Publishnews —, falar do escritor como agente de cultura, porque é importante essa relação de quem escreve com quem lê, esse processo de incentivo de formação de leitores. Eu acho que é algo muito importante também.

4. A filha primitiva é a sua obra mais conhecida atualmente. Você poderia falar um pouquinho sobre ela para quem ainda não leu?

A filha primitiva é um livro que conta a história de uma geração de três mulheres: uma avó, uma mãe e uma filha.

É um livro que tem como temáticas centrais a maternidade, a desromantização da maternidade, o racismo e a violência.

No livro nós temos uma personagem central que busca saber quem é o pai, busca saber sua origem, sua ancestralidade e que a escrita de alguma maneira pra ela é o que ajuda a preencher essas lacunas, essas respostas que ela não encontra e que ela busca na ficção.

5. Se você estivesse começando sua carreira literária hoje, com todo o conhecimento que você tem (tirando todas as pessoas que você conhece da área etc)... Qual caminho você escolheria para começar bem a sua carreira como escritora?

Se eu estivesse começando agora minha carreira literária, eu acho que teria algumas coisas que são importantes.

A primeira é acreditar naquilo que eu escrevo.

No início da minha trajetória literária eu me autossabotava muito. Eu me questionava quem eu era pra achar que podia escrever? , num mercado literário que Clarice Lispector já havia 'escrevido', Machado de Assis.

Então eu acredito que nós enquanto autoras precisamos ser as primeiras pessoas que acreditamos mais no nosso texto, antes de qualquer coisa.

Então eu acho que é essa confiança de acreditar no texto.

Em segundo lugar, eu penso numa formação contínua. Eu comecei essa trajetória, tanto é que hoje eu tenho mestrado, doutorado, várias formações, estou concluindo o pós-doc em escrita criativa, mas eu sei o quanto é importante essa trajetória.

E colocar no mundo, porque às vezes a gente se esconde que nem tatu, não é? Sobretudo mulheres dentro do mercado editorial.

É como se a gente tivesse sempre pedindo licença para fazer as coisas. Eu acho que a gente precisa ousar mais, forçar mais passagem como fala a Conceição Evaristo.

Colocar no mundo, se posicionar, mostrar os nossos textos. Então, isso eu já faço hoje, mas eu teria feito antes.

6. Obras e autores que te influenciaram e considerações finais...

As obras que me influenciaram foram muitas, mas eu sempre falo que eu estou sempre lendo uma mulher.

Então, eu quero citar algumas autoras clássicas que já li, que são muito importantes na minha formação como Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Virgínia Woolf e eu também leio muitas autoras contemporâneas, autoras vivas.

Inclusive, tenho um clube de leitura chamado de "Autoras Vivas" porque eu acredito que nós não precisamos morrer para sermos lidas.

Então tem muitas autoras que eu admiro, que inclusive estiveram no processo do A filha primitiva, não é?

Giovana Madalosso que escreveu a orelha, Natalia Timerman que escreveu o posfácio. A gente tem Nara Vidal, Carola Saavedra e tantas outras.

Como consideração final, eu costumo terminar as entrevistas, as palestras que eu dou reforçando — algo que é muito importante pra mim —, que é que a literatura salva.

Eu acredito muito nisso, não é? Que ela é uma das artes que mais possibilita a gente se colocar no lugar do outro.

E pra mim ela é algo vital, e esse foi um dos motivos também pelo qual eu desejei começar a escrever, não é?

Que os meus livros e os meus textos pudessem tocar outras pessoas.


Entrevista realizada em 30/11/2022. Fontes adicionais: Agência Riff e Grupo Editorial Record


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